A psicoterapia é diferente para cada faixa etária e com a infância não é diferente. Você sabe como funciona a psicoterapia em crianças?
Histórico de atendimentos em crianças
Os transtornos mentais das crianças, até o século XX, quando reconhecidos, eram atendidos basicamente por meio de aconselhamento aos pais ou outras formas de manejo ambiental. A primeira criança a ser atendida com o referencial psicanalítico de que se tem conhecimento foi o pequeno Hans, descrito por Sigmund Freud (Freud S., 1909/1976). Deve-se também a Freud uma das primeiras percepções de que o jogo da criança tem um sentido inconsciente inequívoco. Ele fez essa descoberta pela observação de um bebê de 18 meses que brincava com um carretel, expressando assim a sua ansiedade de separação em relação à mãe (Freud S., 1918/1976).
Três discípulos de Freud – Jones, Abraham e Ferenczi – perceberam o enorme potencial
terapêutico do atendimento do pequeno Hans. Ferenczi relatou a tentativa de tratar uma criança sob o formato do processo analítico de adultos e percebeu que ela ficava entediada e queria retornar aos seus brinquedos. Posteriormente, incluiu-se a utilização do conceito de identificação projetiva e aplicou, ao entendimento do brinquedo infantil, a abordagem teórica e técnica dada por Freud aos sonhos.
O acesso ao inconsciente infantil
A atividade lúdica da criança é o caminho pelo qual se tem acesso ao seu inconsciente visando promover saúde mental nessa faixa etária.
Existem divergências quanto à possibilidade de se instrumentalizar esse entendimento, que iniciaram nas históricas controvérsias entre Melanie Klein e Anna Freud. Essas diziam respeito à equiparação do brinquedo da criança à livre associação do adulto e à possibilidade de a criança ser capaz de estabelecer uma relação transferencial.
Modernamente, o tratamento de orientação analítica vem migrando o seu foco de uma perspectiva de reconstrução para privilegiar a relação do psicoterapeuta com o seu paciente. Atualmente, há várias modalidades de tratamento de crianças. Parâmetros práticos para avaliação e tratamento de crianças e adolescentes com diferentes transtornos mentais, aprovados pela Academia Americana de Psiquiatria de Crianças e Adolescentes.
Psicanálise contemporânea
A psicanálise contemporânea caracteriza-se por uma diversidade de escolas com distintas perspectivas, havendo, em decorrência disso, inúmeras aplicações. Uma destas aplicações é a psicoterapia de orientação analítica.
Três tendências importantes no discurso psicanalítico influenciam a técnica:
- Existem múltiplos modos de ação terapêutica;
- O enfoque tem migrado da reconstrução para as interações entre paciente e analista;
- Há maior flexibilidade e negociação quanto aos limites, ao enquadramento e às regras analíticas. Os analistas de crianças foram pioneiros nessa direção porque o trabalho com crianças os fez reconhecer as limitações da técnica tradicional. Eles têm como objetivo a melhora da qualidade de vida do paciente. Com este fim, estabelecem um relacionamento afetivo com seu paciente, buscando dar sentido ao que acontece entre eles, e criam condições para a elaboração e exploração de pensamentos e comportamentos.
Especificidades do atendimento com crianças
As seguintes especificidades devem ser consideradas em relação à psicoterapia de crianças:
- Linguagem, capacidade cognitiva e vivências devem ser avaliadas de acordo com a etapa evolutiva da criança;
- Compreensão limitada sobre os motivos da indicação do tratamento e sobre seus benefícios na vida atual e futura;
- Menor capacidade para suportar a dor psíquica;
- Maior grau de confusão e temor ao aproximar-se intimamente de um estranho;
- Dependência física e emocional dos pais As crianças estão passando por um processo de desenvolvimento simultaneamente ao processo psicoterápico.
Suas reações transferenciais no setting de trabalho ocorrem de forma ubíqua, em função de expectativas, crenças e afetos que estão ocorrendo no seu desenvolvimento. As interpretações transferenciais, no aqui e agora, são a mais poderosa ferramenta para ajudá-las a atingir uma melhor compreensão de si mesmas e de suas interações com outros de modo biopsicossocial.
Associação livre em crianças
As crianças fazem livre associação e também se comunicam muito pela ação, de forma não-verbal e por intermédio de material lúdico. Seus conflitos fazem parte de um sistema familiar. A visão de mundo da criança e a percepção de si mesma são influenciadas implícita e explicitamente pela cultura familiar. Ao brincar, a criança possibilita ao analista o acesso a seus pensamentos inconscientes, desejos e conflitos. A atividade lúdica proporciona também o domínio e a integração de experiências difíceis e traumáticas, transformando o passivo em ativo (Freud S., 1920/1976). O brincar existe em um espaço entre o mundo psíquico da criança e sua vida externa e entre ela e seu psicoterapeuta. Requer a participação ativa deste, permitindo a exploração segura de afetos, conflitos, idéias, papéis, desejos, etc. É um fórum para a experimentação e a resolução de problemas, permitindo a compreensão profunda do funcionamento emocional da criança.
Desenvolvimento psíquico da criança
O terapeuta necessita conhecer o desenvolvimento normal da realidade psíquica da criança entre os dois e cinco anos ao avaliá-la. A seguir, são mostrados alguns passos desse desenvolvimento:
- Modo de equivalência psíquica: para a criança, o mundo interno próprio, e o dos outros, corresponde à realidade externa;
- Modo faz-de-conta: a criança percebe que a experiência interna pode não refletir a realidade externa, separando as duas realidades em seu pensamento;
- Estágio reflexivo: a criança integra os dois modos anteriores, por meio de um brincar seguro com os pais ou com uma criança mais velha, que fornecem um vínculo com a realidade para as idéias e pensamentos da criança. Os estados mentais podem ser experimentados como representações; ambas as realidades podem ser vinculadas, mas não precisam mais ser igualadas;
- Falha parcial dessa integração: em crianças neuróticas, com menos de cinco anos, alguns aspectos do funcionamento do faz-de-conta tornam-se parte do modo de equivalência psíquica; uma ideia ou fantasia específica é experimentada como se fosse “real”. A criança, por meio do trabalho psicoterápico, assim como com os pais, passa a pensar seus sentimentos e pensamentos como representações, e não como réplicas da realidade externa.
O terapeuta, ao intervir, precisa estar atento ao momento oportuno, ao nível cognitivo e à receptividade emocional da criança, pois, do contrário, pode confundir as crianças menores ou bloquear a brincadeira nas maiores.
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Referência:
CORDIOLI, A.V. Psicoterapias: abordagens atuais. Editora Artmed. 3ª edição. 2008.
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